Primeira prova

1994 A Primeira Prova

Como eu havia falado no artigo anterior, a descoberta de que havia um campeonato de corrida de pombos me deixou bastante empolgado, porém qual não foi minha decepção ao descobrir que mesmo os poucos pombos que tinha, não poderiam participar do campeonato daquele ano, e as razões eram muitas.

 

Primeiro eu não era membro de nenhuma associação de columbofilia, e para me filiar teria de pagar uma joia, que na época era quase o valor do meu salário, em segundo, as anilhas que comprara para anilhar meus filhotes eram refugo do ano anterior, pois como eu não era membro cadastrado da associação, não poderia comprar as anilhas oficiais do ano em curso, e para piorar ainda mais a situação descobri que mesmo que conseguisse resolver os problemas citados acima, os filhotes que tirara não teriam ainda idade mínima suficiente no início do campeonato, pois para que a muda estivesse pronta, o ideal era que os filhotes tivessem nascido entre junho e julho do ano anterior e os meus filhotes eram de janeiro em diante, portanto muito mais jovens.

 

E agora como fazer? Depois de ter ouvido falar tantas histórias sobre as corridas, da emoção de ver seu pombo chegar de uma prova de fundo no final do dia, de um columbófilo que não dormia depois que embarcava os pombos e passava a noite em claro até seus pombinhos chegarem no dia seguinte. Eu tinha que arrumar um jeito de cumprir com todas as obrigações necessárias e arrumar alguns pombos para poder participar de alguma forma, mesmo que fosse só para pegar um pouco de experiência.

 

A luz no fim do túnel começou a aparecer quando um criador, que não fazia parte da associação, resolveu vender todos os seus pombos, que não eram muitos, cerca de quinze pombinhos, pois o seu pai iria construir um sobrado no local onde ficava o pombal e não haveria mais espaço para ele. Então pensei _E se eu comprasse seus pombos e aduzisse no meu pombal, como eu fazia com os pombos comuns, afinal ele tinha em sua maioria pombos com anilhas credenciadas e eu poderia usá-los no campeonato, o problema é que faltavam pouco mais de três meses para começar a temporada, e quando fui falar com os outros criadores da minha intenção… olha só o que eles me disseram! _ Rapaz deixa disso você não vai conseguir aduzir estes pombos para voar na sua casa, eles são pombos-correio, não é igual a pombo comum que você acostuma em qualquer lugar! Faz a sua filiação este ano e deixa para competir no ano que vem! Além do mais, mesmo que você consiga aduzi-los, eles não estarão em forma para voar, pois falta muito pouco tempo para começar a temporada!

 

Mas eu estava decidido a participar do campeonato naquele ano e não mediria esforços para isso. Mesmo ouvindo a opinião dos mais experientes, resolvi correr o risco, usei o dinheiro que estava juntando para pagar a taxa de inscrição e comprei os pombos do rapaz, deixei eles presos no meu pombal por um mês, sempre colocando eles com fome, do lado de fora, de forma que pudessem ver a frente do pombal, que diga-se de passagem, naquela época era todo construído com ripas de caixote de feira, tendo a sua estrutura com caibros e cobertura com telhas de amianto com forro. Para piorar a situação, junto ainda tinha um galinheiro. Na hora de alimentar estes pombos, punha eles em uma gaiola improvisada ao lado da entrada, para que vissem meus pombos entrando e soubessem o caminho certo, abrindo a gaiola em seguida e oferecendo como única opção para eles, entrar pela entrada para o pombal.

 

Usando todo o conhecimento que havia adquirido com os pombos comuns e com alguns exemplares do jornal “Mundo Columbófilo.” que havia ganho, tracei minha estratégia. Iria começar a adução com um casal que estava lá em casa a mais tempo, e inclusive havia tirado filhotes no meu pombal, pois tinha comprado deste mesmo rapaz anteriormente, como eles ainda eram jovens e nenhum dos pombos com a anilha oficial haviam tirado filhotes na casa dele, considerei que este fator poderia ser determinante, pois pensei que se conseguisse aduzir este casal ficaria mais fácil aduzir os outros. Nunca gostei de arrancar penas das asas dos pombos para aduzi-los, sempre achei um sacrilégio, desprover a ave da sua mais intrínseca característica, o voo! Então combinei com o rapaz que assim que ele destruísse seu pombal começaria a soltar os pombos, e assim que isso aconteceu, comecei soltando a fêmea junto com meus pombos, deixando o seu macho preso no pombal.

 

Ela nem titubeou, partiu direto para a casa dele e lá permaneceu o dia inteiro. Eu também havia combinado com ele que quando os pombos voltassem para lá, ele não os alimentasse nem colocasse água, pois como o pombal não existia mais, tinha esperança que voltassem para minha casa pelo cansaço. Passou o primeiro dia e nada, anoiteceu e ela não voltou, dormiu no telhado, em cima da casa dele, soltei meus pombos na manhã do dia seguinte e nada dela aparecer, até que no fim da tarde, antes de anoitecer quem resolveu dar o ar da graça? Ela mesma, voltou e nem demonstrou dificuldade para entrar sozinha. Acho que a experiência de passar a noite fora de um local acolhedor para dormir, como o pombal pode ter feito toda a diferença, mais que depressa lhe dei água e comida, e logo ela se recolheu no seu cantinho junto com seu macho. Nesta época eu trabalhava o dia inteiro fora, e não via o que acontecia durante o dia, mas tinha vários “olheiros” por mim, crianças que moravam na mesma rua e sempre vinham me passar o relatório no fim do dia e me disseram que por algumas vezes naquele dia a fêmea sobrevoou minha casa mas não pousou. No dia seguinte logo cedo soltei-a novamente junto com meus pombos e novamente voltou para sua antiga casa, meus pombos retornaram, entraram, mas ela… fui trabalhar e nada dela voltar! Mas já estava em casa quando retornei do trabalho. No dia seguinte foi a vez do macho, porém deixei a fêmea presa, ele deu só um pouquinho menos de trabalho, mas chegou a passar uma noite fora também, a partir daí soltava os dois sempre intermitente, quando soltava o macho, prendia a fêmea, quando soltava a fêmea, prendia o macho, e também comecei a soltar os outros pombos junto com eles, primeiro de dois a dois e depois três a três até que todos já estavam voando lá em casa, de vez em quando um ou outro não voltava durante o treino da manhã, mas depois de alguns dias nenhum dormia mais fora do pombal. Animado pelo sucesso da adução me empolguei e consegui aduzir também mais quatro pombos de outros criadores.

 

Ufa… faltava menos de um mês para começar o campeonato e dois pombos ainda insistiam em voltar para o pombal antigo durante os treinos diários, então eu os separei e não soltava mais eles junto com os outros pombos, passei a soltá-los somente depois que meus pombos entravam, e quando chegava a vez deles voltarem já não havia comida, um deles era o 09800/92 um macho macotado que todo mundo chamava de cabeça branca, o que chamava mais a atenção para este pombo é que ele vinha sozinho, separado do bando e mergulhava lá de cima em direção à entrada e não se ouvia nem um estalido de asa sequer, nada mesmo, se estivesse de costas nem percebia ele pousar. Assim aos poucos todos eles passaram a não visitar mais o pombal antigo.

 

Agora sim, estava feliz da vida, meio endividado é verdade, pois tive de me virar para conseguir pagar a joia e participar do campeonato, mas pelo menos tinha uns pombinhos para competir, quatorze para dizer a verdade, dez aduzidos e quatro filhotinhos dos mais velhos, que estão em destaque na folha de recenceamento de todos os meus pombos daquele ano.

 

Recenceamento
Meu Recenceamento de 1994

 

A empolgação era enorme, tinha plena consciência que estava entrando no campeonato apenas para ganhar experiência, mas de olho para surpreender marcando algum pombinho, quem sabe?

 

Até aqui tudo o que eu tinha sabido era história, agora eu começava a ver e tomar parte de tudo, finalmente pude ver as caixas de transporte usadas nas corridas, quando em umas das primeiras reuniões no ano marcamos um churrasco na casa de um dos sócios para fazer a desinfecção e a cobertura de capim do fundo, mas o que eu estava mais curioso mesmo era para ver o “tal relógio”, que servia para marcar os pombos, até porque eu ainda não tinha comprado um e naquele ano faria as minhas marcações “cantando” a senha por telefone.

 

Ahh, mais um detalhe que já ia esquecendo, para piorar mais a situação, ainda troquei os pombos de pombal entre o primeiro e o segundo treino, já durante o campeonato e ainda mantinha a pretensão de querer que eles marcassem alguma coisa, olha só…

 

Agora sim, tudo preparado depois dos primeiros treinos, finalmente chegou a hora da verdade! Seriam os meus pombos capazes de voar tão rápido quanto aqueles pombos cheios de pedigree dos outros columbófilos, cujos pais foram adquiridos em um leilão Nacional promovido pela Federação Estadual? Apesar de toda empolgação no embarque dos meus pombos naquele sábado à noite, me encaminhei para casa e fui dormir, pois sabia que tinha que estar a postos logo pela manhã.

 

Prova de Travessão 1994A prova era de 102 Km em Travessão, um distrito da cidade de Campos dos Goitacazes no norte do estado do Rio de Janeiro. Pela manhã a angustia já era grande, os ponteiros do relógio pareciam não andar, toda vez que olhava as horas, os ponteiros pareciam estar no mesmo lugar… que agonia… até que chegou… chegou, ele veio, o cabeça branca, na frente de todos os outros,Campeonato de 1994 corri mais que depressa peguei a sua borracha e ligando para o número do fiscal da prova, que prontamente atendeu e lhe passei a senha, mal desliguei o telefone e outro pombo chegou, era o 09489/92, um macho vermelho, que alegria, já tinha dois na marcação, pena que não passou disso, mesmo assim estes dois pombos conseguiram entrar em 19º e 21º respectivamente. O resultado logo gerou visitas, pois todos os columbófilos queriam saber como eu havia conseguido a façanha de aduzir tantos pombos em tão pouco tempo.

 

Nas duas provas seguintes, não consegui marcar nenhum pombo sequer, na segunda o cabeça branca chegou raspando, logo depois de fechar a marcação, mas na terceira prova veio o desastre. O motorista saiu ainda de madrugada para o norte, em direção a Guarapari no Espirito Santo, 238 Km de distância, e duas horas depois que ele saiu, chegou uma frente fria vinda do sul, com muita chuva e ventos fortes, tentamos de todas as formas entrar em contato com ele para retornar com os pombos, mas não conseguimos, quando ele finalmente ligou de um posto de gasolina, foi para avisar que o tempo estava bom, com um sol lindo e que já tinha soltado os pombos, resultado apenas três pombos meus retornaram, nunca mais tive notícias do cabeça branca, nem do vermelho e dos outros pombos, as perdas dos outros criadores também foram enormes e o campeonato daquele ano acabou ali mesmo. Agora só restava esperar pelo ano seguinte.

 

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Comentários

2 respostas para “1994 A Primeira Prova”

  1. Avatar de Ricardo
    Ricardo

    O mau tempo prejudica o vôo de volta de que forma???

  2. Avatar de Marcio Coelho
    Marcio Coelho

    Olá Ricardo, olha, o mau tempo pode pode prejudicar o retorno de um pombo por vários motivos, como direção e velocidade do vento, a capa de nuvem sobre o sol, a chuva, etc.
    Um dia que ficou gravado na minha memória foi quando ao fazer uma reportagem para um jornal local levei a minha pomba número um, voada distâncias superiores a 800 quilômetros, anilha de prata geral no estadual de 1996 e anilha de ouro geral no estadual de 1997 a fêmea 33653/94, o dia estava nublado e o local da reportagem ficava pouco mais de dois quilômetros do pombal e ao soltá-la, na minha cabeça tinha que ela iria pegar o rumo de casa direto, sem titubear.
    Qual não foi minha surpresa, e a dos colegas que estavam presentes, vê-la pegar uma rota completamente oposta, indo direto para o mar, ela foi nesta direção até quase sumir de vista, enquanto observávamos atônitos, perguntando uns para os outros para onde que ela está indo? Até que pudemos ver nitidamente o sol brilhar nas suas asas. Neste instante ela deu meia volta e tomou definitivamente o rumo de casa.
    Naquele instante percebemos que mesmo ela tendo voado inúmeras vezes sobre aquela área, ela não sabia onde estava ao ser solta e procurou a primeira fonte de informação que podia alcançar, ela enxergou que havia uma brecha na capa de nuvem onde o sol transpassava e ela foi até lá para identificar sua localização e encontrar o rumo de casa.
    Ora, nós já sabíamos que a presença do sol é um dos fatores que ajudam os pombos a retornarem, mas que eles conseguem achar o caminho de casa se o dia estiver completamente nublado, eles apenas levam mais tempo para conseguir retornar, e este entendimento ficou bastante claro para nós naquele dia.
    Agora tem também a chuva, mas isso eu vou pedir para você ver neste artigo que escrevi, para não estender muito esta resposta ok. http://comocriarpomboscorreio.com.br/2015/02/06/pombo-voa-debaixo-de-chuva/

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