Muito tem se falado sobre mandos e desmandos a respeito da gripe aviária, e o que se percebe é que há muitas informações desencontradas, informações superficiais e até mesmo muita falta de informação.
Justamente por isso se torna fundamental uma interrupção temporária de todas as atividades externas com aves, que sejam possíveis controlar, como foi proposto pelo MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) através da PORTARIA MAPA nº 572, de 29 de março de 2023.
Isso só se consegue com aves de criadouros, aves de vida livre são quase impossíveis de se controlar, já que algumas conseguem se deslocar milhares de quilômetros em apenas poucos dias.
Então é primordial utilizarmos este tempo de interrupção para esclarecer o que pode ser potencialmente perigoso ou não, de forma clara e objetiva cientificamente.
A DOENÇA
Os vírus da Influenza Aviária, como também é chamada, fazem parte de de um grupo de vírus divididos em três tipos, chamados A, B e C. A Gripe Aviária é provocada pelo tipo A que afeta aves e muito raramente humanos.
Um dos primeiros registros de gripe aviária foi na Itália, por volta de 1878 que afetou perus, galinhas e outras aves, provocando grande mortandade desses animais (PESSANHA JR, 2006).
De lá para cá, vários outros surtos atingiram vários países espalhados pelo mundo, provocando grandes prejuízos financeiros com a perda das criações, seja pela doença, ou extermínio das aves, para controle sanitário (GALWANKAR & CLEM, 2009) e (PESSANHA JR, 2006).
Neste sentido, o primeiro grande impacto de um surto de gripe aviária é o econômico, mas não pense que esse é o motivo primordial para se tentar controlar esta doença, pois consequentemente, poderá haver desabastecimento de carne de frango no mercado, provocando fome em muitas regiões, pois será difícil substituir esta fonte de alimento humano em muitos países, principalmente se o surto for duradouro e abrangente. Então por efeito em cascata o bem mais precioso do ser humano que é a VIDA, pode ficar gravemente comprometido.
Os vírus Influenza do tipo A, não tem só os vírus da Gripe Aviária, eles apresentam várias combinações, de acordo com dois grupos de moléculas encontradas em sua superfície, a combinação entre esses grupos é que determina qual hospedeiro eles podem afetar. O primeiro grupo é o da hemaglutinina viral (HA), que apresenta 16 subtipos, identificados de H1 a H16. O outro é a proteína neuraminidase (NA), que apresenta 9 subtipos, identificados de N1 a N9, podendo produzir 144 combinações, conhecidas, entre H1N1 até H16N9.
Os tipos mais relevantes clinicamente, que afetam aves, e que, portanto, são classificados como Vírus de Gripe Aviária são: H5N1, H5N2 e H7N1, entre outros, sendo que o H5N1 é o mais grave, por ser de alta patogenicidade (PESSANHA JR, 2006). Outro tipo importante a ser considerado é o H9N2, utilizado para criação de vacinas (MOGHADDAM POUR; MOMAYEZ & AKHAVIZADEGAN, 2006).
Somente do século passado para cá, mais de 40 milhões de pessoas morreram em surtos provocados por Vírus Influenza, muito mais que os 15 milhões de mortos por COVID-19 estimados pela OMS até 2022. Os principais casos registrados foram: a gripe espanhola em 1918, provocada pelo H1N1; a Gripe asiática de 1957, provocada pelo H2N2; a gripe de Hong Kong em 1968, provocada pelo H3N2; a Gripe russa em 1989, provocada novamente pelo H2N2; a gripe do frango em 1997 provocada pelo H5N1; a influenza aviária em 2004, provocada novamente pelo H5N1 e a gripe suína em 2009, provocada novamente pelo H1N1 (GALWANKAR & CLEM, 2009) e (PESSANHA JR, 2006).
Percebam que mesmo provocados pelo mesmo tipo de vírus, alguns surtos receberam nomes diferentes, justamente para distingui-los no tempo. Outro fator a ser considerado é que apenas os surtos de 1997 e 2004 foram provocados pelo Vírus da Gripe Aviária, onde os casos de óbitos, humanos, foram infinitamente menores, pois os maiores casos de óbito humano, ocorreram pela contaminação do H1N1 que afeta porcos. Apenas a partir de 1997 começaram a ocorrer casos de contaminação humana por H5N1, quando 18 indivíduos em Hong Konk foram contaminados, dos quais 6 vieram a óbito, mais tarde em 2003, na China, Pai e filho, originários também de Hog Kong, se contaminaram, tendo o pai falescido, em seguida, no ano de 2006 mais 6 casos de contaminação, desta vez na Indonésia, dos quais 3 vieram a falescer. Em todos os casos foram registrados contato com aves contaminadas pelo H5N1 (PESSANHA JR, 2006).
De 2003 para cá, foram registrados 873 casos de contaminação por H5N1 em seres humanos, dos quais 458 pessoas vieram à óbito em 21 países diferentes (ROCHA, 2023a) e mais recentemente, em março de 2023, no nosso vizinho Chile, o primeiro caso de H5N1 no país (ROCHA, 2023b), que provocou a preocupação dos órgãos sanitários no Brasil, gerando a PORTARIA MAPA nº 572/23.
Diferente do vírus da Covid19, que depois de ter contaminado um ser humano, a partir de um animal, a contaminação se propagou de pessoa para pessoa, o vírus H5N1, até agora, só se propaga para seres humanos a partir de aves contaminadas, mas isso em raras situações, que são chamadas de “infecções acidentais”, por que pela lógica elas não deveriam acontecer, mas acontecem! E, até agora, não ocorreram contaminações do H5N1 de um ser humano para outro, “Graças a Deus”! Mas isso não é uma garantia, por isso se justifica toda precaução das organizações de saúde, pois o vírus H5N1, pertence à mesma espécie do Vírus H1N1, também conhecido como Vírus da Gripe Suína, um vírus que antes afetava apens porcos e em um dado momento na história passou a contaminar humanos e a contaminação progrediu, passando a infecção a ser transmitida também de um ser humano para outro.
PROBLEMÁTICA
Vírus apresentam capacidade de mutação muito alta, podendo em um curto período de tempo, provocar enfermidades que não aconteciam antes, então todo cuidado é pouco. A cepa do H5N1 que está circulando agora ainda está sendo identificada, então ainda não se conhece o real potencial de contaminação desta cepa, por isso se faz necessário inicialmente uma interrupção total por um período determinado, no caso 90 dias a partir de 30 de abril de 2023, até que se consigam reunir argumentos suficientes para descaracterizar os pombos como vetores deste vírus. Inclusive para que nós columbófilos consigamos reunir provas documentais dos estudos já realizados, para podermos continuar nossas atividades independente da permanência da atividade deste vírus.
Em defesa dos pombos precisamos considerar três pontos:
1. Capacidade de ser infectado pelo vírus H5N1;
2. Capacidade de se contaminar no meio ambiente e
3. Capacidade de transmissão do vírus H5N1 pelos pombos, para outras aves e para o ser humano.
Cada um dos três pontos tem características a serem consideradas, pois os vírus H5N1 podem sim infectar Pombos-correio e provocar a doença, porém, tanto a capacidade dos Pombos-correio se contaminarem no meio ambiente, quanto a capacidade de transmissão deste vírus, pelos pombos, é muito baixa.
Como prova disso temos trabalhos como os de Falcão (2007), que elaborou uma lista com 29 aves potencialmente transmissoras do H5N1, dentre elas as migratórias, tanto originárias de áreas infectadas, quanto as que formam colônias de reprodução no Brasil, assim como aves residentes que visitam aviários, ou ocupam culturas de grãos e colonizam áreas alagadas, dentre as quais não estão incluídos os pombos (Columba livia), ou seja, este trabalho não inclui os pombos como potenciais transmissores do H5N1.
Temos também o livro “Clínica de Aves” onde Tully Jr. et al (2010) nos iforma que os pombos apresentam baixa prevalência para os vírus H5 ou H7 da Influenza Aviária, visto que são relatados replicação viral muito baixa e pouquíssima soroconversão, além de não apresentarem sinais clínicos.
Também estudos específicos, na tentativa de se descobrir pombos infectados em ambiente urbano, que mostraram resutados negativos, conforme Toro (1999, apud PESSANHA JR, 2006), realizado na cidade de Santiago do Chile, que examinou 100 pombos domésticos por 12 meses, no período entre março de 1996 e março de 1997, não detectou nenhum título de anticorpos circulantes para o Influenzavirus A. Também Dove et al. (2004, apud PESSANHA JR, 2006) capturou 139 pombos na Slovênia, para os quais nenhum apresentou título de anticorpos circulantes para o Influenzavirus A. Outrossim, Pessanha Jr., (2006) coletou 322 amostras de fezes frescas de pombos em 11 praças e largos na cidade do Rio de Janeiro, com alta concentração destas aves, as quais submetidas a análises pelas técnicas de hemaglutinação (HA) e a da reação da polimerase em cadeia (PCR), também não detectaram nenhum título de anticorpos circulantes para o Influenzavirus A.
E na Europa, em 2006, uma comissão formada pela FCI (Federation Colombophile Internationale) reuniu especialistas de vários países, como Dr. Raddei da Alemanha, Eng. Duchatel da Bélgica, Dr. Arnoult da França, Prof. Szeleszczuk da Polónia, Dr. Ryon de Portugal, Dr. Van de Waart da Holanda, entre outros, para discutir, temas como a possibilidade de transmissão da Gripe aviária através das atividades com pombos, visto haverem surtos de H5N1 em andamento (CVC, 2006).
Esta comissão, então teria encomendado dois estudos específicos sobre o Pombo-correio e a possibilidade de transmissão da Gripe Aviária em dois laboratórios com fama mundial no combate ao H5N1:
1. Um no CERVA (Centre d´ Études et de Recherches Veterinaires e Agrochimiques) sob responsabilidade do Dr. Van den Berg, na Bélgica;
2. Outro na Holanda, sob responsabilidade do Prof. Osterhaus;
3. Além disso mais um estudo foi realizado no Instituto Friedrich-Loefler na Alemanha.
O ponto mais importante nos resultados destes estudos foi que os Pombos-correio NÃO FORAM CAPAZES DE TRANSMITIR O VÍRUS H5N1 PARA FRANGOS E CONSEQUENTEMENTE TAMBÉM, NÃO TRANSMITIR PARA HUMANOS, o que já permitiu a partir de 2007 a realização de várias atividades com pombos, pois o risco de transmissão dos pombos de vida livre é ainda menor, visto que os pombos de rua são mais saudáveis do que pombos em cativeiro (CVC, 2006).
Gente é isso mesmo, ao contrário do que pensam muitos columbófilos, pombos de raça, criados em cativeiro NÃO SÃO mais saudáveis que pombos soltos em ambiente urbano, mas isso é assunto para outro artigo, que vocês podem ler aqui, pois este tema da Gripe Aviária já está muito extenso.
Outro ponto altamente favorável aos pombos é que em todos os estudos realizados, FORAM DETECTADAS MUITO POUCAS INFECÇÕES NATURAIS EM POMBOS (Columba livia), ou seja, as ifecções relatadas nos estudos foram induzidas em laboratório para fins de pesquisa, como a inoculação experimental realizada por Klopfleisch na Alemanha (PESSANHA JR, 2006), caracterizando que os pombos podem ser contaminados, mas que a contaminação é extremamente improvável no meio ambiente.
Isto significa dizer que dificilmente um Pombo-correio será contaminado pelo H5N1 estando livre no meio ambiente, mas esta possibilidade não está totalmente descartada, por isso se faz necessária a aplicação da medida preventiva da PORTARIA nº 572/23 pelo MAPA, mesmo que já se saiba que os Pombos-correio são incapazes de transmitir o H5N1.
Minha humilde sugestão é que os colegas que disponham destes artigos (como os que vão citados aqui abaixo) e outros mais artigos científicos, que encaminhem os mesmos oficialmente ao MAPA, através de nossas organizações, inclusive as internacionais, a fim de que os representantes do MAPA tenham argumentos para votar a nosso favor, ou melhor dizendo, a favor dos pombos.
REFERÊNCIAS
CVC – A Comissão Veterinária e Cientifica da FCI : Um optimismo prudente.Relatório da FCI, 2006. Disponível em <http://www.fpcolumbofilia.pt/influenzaaviar/main061.htm> Acesso em 09 abr 2023.
DOVE, A. et al. Health status of free-living pigeons (Columba livia domestica) in the city of Ljubljana. Acta Vet Hung; v.52, n.2, p.219-26, 2004.
FALCÃO, Georgia Rocha. GRIPE AVIÁRIA: EPIDEMIOLOGIA, Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Vigilância Sanitária e Inspeção dos Alimentos) – Universidade Castelo Branco São Paulo. 40 p., 2007. Disponível em: <https://www.academia.edu/download/31946519/Gripe_Aviaria_-_Georgia_Rocha_Falcao.PDF> Acesso em 11 abr 2023.
GALWANKAR, S.; CLEM, A. Swine influenza A (H1N1) strikes a potential for global disaster, J Emerg Trauma Shock, v. 2, p. 99-105, 2009. Disponivel em: <http://www.onlinejets.org/text.asp?2009/2/2/99/50744>. Acesso em: 16 jan 2020.
MOGHADDAM POUR, M.; MOMAYEZ, R.; AKHAVIZADEGAN, M. A. Efficacy of inactivated oil-emulsion H9N2 avian influenza vaccine. Iran. J. Vet. Res. 2006. Disponível em: < https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/emr-77217> Acesso em 12 abr 2023.
PESSANHA JR, W. Avaliação da circulação dos vírus influenza e da doença de Newcastle em pombos (Columba livia domestica) de vida livre na cidade do Rio de Janeiro, Tese (Doutorado) – Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2006.
ROCHA, Lucas. O que se sabe sobre os casos de gripe aviária H5N1 em humanos no Camboja. CNN, São Paulo, 2023a. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/saude/o-que-se-sabe-sobre-os-casos-de-gripe-aviaria-h5n1-em-humanos-no-camboja/> Acesso em 11 abr 2023.
ROCHA, Lucas. Chile registra primeiro caso humano de gripe aviária H5N1. CNN, São Paulo, 2023b. Disponível em: < https://www.cnnbrasil.com.br/saude/chile-registra-primeiro-caso-humano-de-gripe-aviaria-h5n1/> Acesso em 11 abr 2023.
TORO, H., SAUCEDO, C., BORIE, C. et al. Health status of free-living pigeons in the city of Santiago. Avian Pathology, v.28, n.6, p. 619-623, 1999.
TULLY JR, T. N.; DORRESTEIN, G. M.; JONES, A. K. Clínica de aves. Tradução de Ana Helena Pagotto et al. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
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