Há alguns anos atrás surgiu uma discussão no grupo Columbofilia de que o primeiro ovo da postura dos pombos seria macho, achei aquilo meio estranho, afinal eu anotava qual era o primeiro dos dois ovos que os pombos botam e haviam várias ninhadas onde saíram fêmeas do primeiro ovo, mas resolvi investigar, pois eu tinha material à mão que me permitia analisar o caso.
Tudo na natureza tende ao equilíbrio, portanto o normal a ser esperado em qualquer circunstância seria a divisão em proporções iguais, só que isto nem sempre acontece, partindo deste princípio analisei todas as fichas de nascimento dos borrachos nascidos em meu pombal de 1995 até 2003 que tinham registro de nascimento junto com um irmão de ninho e que eu soubesse quem tinha nascido do 1º ovo (antes de 1995 eu não fazia este tipo de registro).
Foram descartados da amostragem os filhotes nascidos sozinhos, pois não havia registro se o outro ovo quer tenha gorado, quebrado ou retirado tenha sido o 1º ou o 2º e também os casos de postura de apenas um ovo, pois neste caso não há como saber se o ovo que não foi posto era o 1º ou o 2º, já que a divisão meiótica em fêmeas de pombos prepara dois óvulos para fecundação.
Para ajudar a entender um pouco mais, vamos esclarecer alguns conceitos sobre reprodução, como já é de conhecimento geral, os cromossomos são os responsáveis pela transmissão genética de pais para filhos e que cada indivíduo recebe duas cópias de cada cromossomo, sendo um recebido do pai e o outro da mãe, e assim também é para determinar o sexo.
Em mamíferos quem determina o sexo dos filhos é o macho, pois ele apresenta para o par de cromossomos sexuais um cromossomo X e outro Y, nas fêmeas os dois cromossomos são iguais ou seja um X e o outro também X, sabe-se que um dos dois cromossomos X nas fêmeas é inativado e apenas o outro exerce as funções vitais, nos machos o cromossomo Y serve apenas para “dizer” ao organismo que este indivíduo é um macho e assim na sua formação ainda dentro do útero materno determinar a formação de todos os órgãos e hormônios exclusivamente masculinos. Se por alguma razão, este cromossomo Y for inativado, antes de disparar esta informação para a formação do indivíduo, este será uma fêmea perfeita, apesar de apresentar o cromossomo Y, portanto na formação dos espermatozoides, como estes levam apenas uma das duas cópias de cromossomos que temos, os machos podem formar dois tipos de espermatozoides, um X e outro Y, já as fêmeas só podem formar óvulos X, portanto o óvulo que receber um espermatozoide X formará um par XX e será fêmea, se receber um espermatozoide Y formará um par XY e será macho.
Bem, vamos falar de aves, sabe-se que no caso das aves, quem determina o sexo da prole não é o macho, mas sim a fêmea, num sistema conhecido como ZZ / ZW, onde um indivíduo ZZ é um macho e um indivíduo ZW é uma fêmea, sendo que no cariótipo dos pombos o cromossomo W é ausente nas fêmeas, ou pelo menos até hoje não foi descoberto, visto que em alguns galináceos foi descoberto que o cromossomo W das fêmeas é um microcromossomo, e não havia sido descoberto até agora, por conta de seu diminuto tamanho. Lembre-se que os cromossomos continuam sendo X e Y, sendo que o X foi substituído pela letra Z e o Y pela letra W apenas para diferenciar os dois sistemas, um outro fato curioso é que em algumas aves, como galináceos, codornas, etc. existe uma pré disposição para que o número de indivíduos fêmeas seja mais elevado que o número de machos.
Bem, voltando ao nosso caso, foram analisadas 114 ninhadas, totalizando 228 pombos, dos quais 115 eram machos e 113 fêmeas, em 58 ninhadas um filhote era macho e o outro fêmea (nem sempre nesta ordem) e em 56 ninhadas os irmãos eram do mesmo sexo, sendo que em 27 ninhadas os dois indivíduos eram machos, e em 29 ninhadas os dois indivíduos eram fêmeas.
Até aqui tudo normal, pois a diferença de equilíbrio é irrisória e até esperada em casos de probabilidade aleatória, e o que existe é um empate técnico, o que já era esperado.
A coisa começa a apresentar uma certa diferença, e por tanto fugindo do equilíbrio esperado, quando analisei o sexo do 1º ovo: em 66 casos, ou seja, 58%, o 1º era macho e em 49 casos, 42%, o 1º era fêmea. Mesmo assim, esta não é uma diferença tão significativa para se determinar que o 1º ovo é sempre macho, muito pelo contrário, os números estão muito longe disso.
Porém, e tudo em ciência tem um “porém”, analisando separadamente em que época do ano estes ovos eram postos, verifiquei um fato curioso. Dividindo o ano em estações (verão, outono, inverno e primavera), as coisas ficaram bem diferentes.
Vou começar pelo outono que vai de 23 de março a 22 de junho, só há registros de ninhadas neste período nos anos de 1996, 2001, 2002 e 2003, num total de 13 ninhadas, sendo que em 6 ninhadas o primeiro foi macho e nas outras 7 a primeira foi fêmea, há uma ligeira vantagem para as fêmeas, mas podemos entender como equilibrada pois esta vantagem foi apenas no ano de 1996, nos anos seguintes houve equilíbrio absoluto.
Quando entramos no inverno que vai de 23 de junho a 22 de setembro a coisa muda um pouco, de 55 ninhadas analisadas em 30 o 1º era fêmea e em apenas 25 o 1º era macho (“epa, péra aí, mas não era para o 1º ser macho”), esta proporção se sucedeu em todos os anos de 1995 a 2003 com exceção de 2000 onde houve empate nas duas únicas ninhadas neste período.
Para entendermos melhor o que está acontecendo vamos logo para a primavera que vai de 23 de setembro a 22 de dezembro, neste período foram 40 ninhadas e a coisa mudou completamente, foram 30 ninhadas em que o 1º ovo era macho e em apenas 10 eram fêmeas (“opa, até que enfim os machos levaram vantagem”), isto significa dizer que em cada 4 ninhadas saem 3 machos do primeiro ovo para apenas 1 fêmea (“mas o que será que está acontecendo”).
Quando entramos no verão então que vai de 23 de dezembro a 22 de março, a diferença aumenta ainda mais, são 5 machos para 1 fêmea no 1º ovo e o mais interessante não há registro de machos no 2º ovo. (no verão há uma maior incidência de doenças infecciosas, e a mortandade de filhotes é muito maior que nas outras estações do ano, sem contar que este é o período de muda na minha região, quando a maioria dos pombos estão convalescentes, por isso o número reduzido de ninhadas na amostragem).
Com este resultado parece estar bem claro que as estações do ano estão intimamente ligadas com a determinação do sexo dos nossos pombos, mas isso não significa dizer que a temperatura é a responsável por este resultado, digo isto porque não tenho como comprovar cientificamente os fatos observados, como experiência poderíamos dispor de câmaras onde se criem as temperaturas e umidade ideais para cada estação do ano e verificar por exemplo, no inverno se os pombos inseridos nesta câmara apresentando características térmicas de verão, irão apresentar uma maior incidência de machos no 1º ovo em relação ao número de fêmeas, inversamente ao que seria esperado no inverno.
Para complementar, vale ressaltar que o cariótipo dos pombos é muito semelhante, filogeneticamente, ao dos répteis, mais especificamente ao das cobras e já foi comprovado que a temperatura e o fotoperíodo (tempo de exposição à luz durante o dia) tem influência direta na determinação do sexo dos jacarés, porém com a relação inversa, quanto maior a temperatura, maior o número de fêmeas.
De qualquer forma me parece lógico que mesmo não comprovado cientificamente parece válida a ideia de se utilizar deste conhecimento para selecionar um maior número de machos ou fêmeas simplesmente se descartando durante o verão o 1º ou o 2º ovo, dependendo de qual sexo o criador tenha mais interesse.
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